quarta-feira, agosto 12, 2009

Eu Robô

Fagundes chega ao serviço, estaciona seu carro, trava-o e segue caminhando até sua sala. Nesse trajeto dezenas de pessoas passam por ele, mas, como elas estão abaixo do seu queixo, não as vê.
Entra em sua sala, senta em sua ilha (assim mesmo no possessivo) e isola-se.
Esses espaços foram chamados de ilhas propositadamente. As pessoas nadam até elas, como náufragos. Completamente ilhados, cercados de indiferença por todos os lados, assim, sobrevivem as suas oito horas diárias.
Belas mensagens nos murais, notícias importantes, um cartaz interessante, tudo é ignorado, imagine um ser humano, esse ser insignificante, egoísta e mesquinho. “Quero mais é cumprir minha obrigação e ir para minha casa!”, acusa aquela voz sintética e programada.
E assim vai a massa ignara, tangida e submissa para os abatedouros da vida.
Onde está aquele aperto de mão sincero? Onde está aquele abraço amigo? Aquele sorriso justo? Aquele bom dia altaneiro? Onde foi parar o cavalheirismo, a diplomacia, a educação?
Seres autômatos, formais, empedernidos, céticos, cruéis!
A frieza, a indiferença, o desamor, o apego às coisas materiais, a servidão humana, a devassidão do tempo, sei lá o que mais. Tudo isso contribuiu e contribui para afastar e isolar as pessoas, tornando-as escravas de si mesmas.
Relacionamento. Que bela palavra. Significa manter laços afetivos, conectar-se, estabelecer ligações e correspondência. Mas não passa disso, apenas uma palavra, principalmente dentro de uma repartição pública.
Morto-vivos, zumbis é o que são. Gente sem alma e sem coração (perdoem-me a rima pobre, não foi minha intenção, putz, de novo!).
Nenhum ser humano pode passar dias, meses, anos nessa sofreguidão, nesse isolamento, apenas uma máquina fria, oleosa, sistemática e calculista pode sobreviver dessa forma.
Não se trata aqui de desrespeitar o individualismo (e nesse caso essa palavra ganha ênfase), trata-se de saber que vivemos em bando, em sociedade, em grupos. Nem mesmo o eremita na mais inóspita região desértica está só (esotericamente falando).
Chega à hora religiosa do final do dia. “Programadamente”, Fagundes assina seu ponto, ergue-se de sua cadeira e caminha em direção ao seu túmulo para descansar suas engrenagens, e na manhã seguinte, voltar ao seu obscuro oceano, ao seu planejado arquipélago e a sua inestimável, desolada e gélida ilha.

Postado por Hélio Cabral

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4 comentários:

  1. Passando pra deixar um beijão!!!

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  2. Vim conhecer seu blog e gostei!
    Bom este texto... fala de coisas reais, que enfrentamos todo dia. Precisamos ficar atentos pra não permitir que isso aconteça.
    Beijos

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  3. Coitado do Fagundes podia ter encontrado um emprego melhor sem tantos contrangimentos. Há muitos trabalhos em que não se pode fugir a essa forma tão repetitiva.

    O blog está agora muito bacana (como os nossos irmãos dizem).

    Um abraço

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  4. Pois bem, Menina mesteriosa, nosso comportamento dita nossas vidas, agindo positivamente criamos condições que facilitam e melhoram nossos relacionamentos.
    Meu Caro Carlos II, interessante seu ponto de vista. No entanto, creio que o errado é o Fagundes e não o seu trabalho, pois suas atitudes não condizem com o ambiente social e profissional. Um grande abraço.

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