domingo, dezembro 31, 2006

Autores



Este é o L.S. Alves , um moço de bom coração sempre querendo o bem ao seu próximo. Às vezes, esquece de ajudar a si mesmo. Pai de uma linda menina, ele compartilha com a pequena o gosto pela leitura. Sabe que ele muda. Aliás, todos mudam. Mas nem todos percebem ou não aceitam a mudança. Afinal, as experiências da vida modificam o jeito de ser de cada um. Já tocou guitarra e hoje está aprendendo flauta. Não se contentou em apenas cantar no coral formado pelos colegas de trabalho e pretende acompanhar o grupo tocando flauta. Abandonou a faculdade de Física e pode ser que ele retorne para terminar esse curso. Mais forte que a Física é o seu sonho em cursar Cinema. Deseja conhecer novos lugares e fazer coisas diferentes para que a rotina não o deixe desanimado. Recentemente fez algo inédito: praticou arborismo. E contou para a gente neste blogue como foi a sua aventura. É daquelas pessoas que adoram participar da reunião de amigos para tomar uma cerveja ou um vinho e ter uma agradável conversa. Criador deste blogue, procura sempre aperfeiçoar a sua escrita, curte visitar outros blogues e gosta de conhecer e interagir com cada de um de nós.

sábado, dezembro 30, 2006

Contato

Quer falar com a gente? Elogiar, xingar, tacar pedra, mandar dinheiro?


Eis aí o nosso endereço eletrônico.


maquinadeletras@gmail.com

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Uma questão de oportunidade

A baía formada pela foz do rio Palmital e a ilha de São Francisco do Sul é chamada Baía da Babitonga. Babitonga é palavra indígena que significa morcego. Este é um lugar muito próspero para se viver no verão. Principalmente para quem vive da pesca. Na América latina esta é a maior área de mangue ao sul do equador, tornando-a um grande berçário e abrigo para várias espécies de peixes. Suas águas tranqüilas garantem a segurança daqueles que lançam suas redes em busca do seu sustento. Porém quando se aproxima o inverno e os peixes desaparecem as coisas mudam de figura. E o que se vê é uma grande fome acompanhada da depressão e melancolia que caracterizam o inverno nessa região.
Este ano não tinha sido dos melhores para Jango. O pouco que conseguira pescando foi divido igualmente entre para pagar dividas antigas e tomar uns tragos no mercado municipal. A carestia apertava e o crédito minguava dia a dia. A cozinha ficando cada vez mais vazia. Para quem tem cinco filhos essa não é uma situação tranqüilizadora. Mas quando a família é forte nem inverno e nem mesmo os ventos que vem do leste são capazes derrube-la.
Especialmente naquele inverno um dos meninos estava morando como agregado na casa do merceeiro. Isto garantia o seu sustento e principalmente uma boca a menos pra alimentar em casa. O menino era sensível de saúde e de temperamento, mas era muito esperto e vivaz. Trabalhava bem e não causava problemas.
Mas sabe-se lá por que ironia de Deus a necessidade é a mãe da oportunidade. Eis que travam discussão a mulher e o merceeiro seu marido.
- Homem joga fora estas capas de cação seco isto esta fedendo que é uma desgraça por certo está estragado e ninguém mais há de querer comprar esta porcaria.
- Mulher parece que perdeste a noção. Vou eu começar a jogar os produtos velhos fora e logo vou à falência. Se a coisa está tão ruim assim, faz o seguinte em vez de jogar fora você prepara isso pra gente comer.
- E tu achas que eu vou comer essa porcaria fedendo a urina. Querias vender a alto preço, não conseguiu. Foi ganancioso e agora perdeu tudo. Eu não vou comer, tu não vais vender. O melhor a fazer é jogar fora.
- Está bem mulher farei o que você disse. – Passou a mão pelos cabelos. Olhou para a pilha de cação seco. Realmente a esposa estava certa aquilo fedia muito, mas mesmo assim cortava-lhe o coração ter que jogar tudo aquilo fora. Devia ser umas quatro da tarde. Matutou consigo que seria melhor se livrar daquilo antes que o movimento aumentasse.
- Pedro corre aqui.
O garoto que trabalhava nos fundos do estabelecimento não demorou a chegar. O merceeiro sem demora ordenou-lhe que pegasse um carrinho de mão enchesse-o com o peixe e fosse jogá-lo ao mar, pois assim os siris dariam conta daquilo e ele não teria que responder nada a ninguém e nem faria sujeira próximo a sua casa.
Enquanto empurrava o carrinho em direção a praia, Pedro tentava entender o que estaria acontecendo. Sabia que o seu patrão tinha dinheiro, mas sabia também que ele era avarento. Alguma coisa estava errada. Jogar comida fora era pecado. Ele tinha aprendido isso em casa. Ficou em dúvida. E teve medo de ao obedecer ao patrão estar condenando sua alma às labaredas do inferno. Escondeu o carrinho dentro do mato e saiu correndo em direção a casa da sua família. Encontrou a mãe na cozinha passando um café. Contou-lhe toda a história e pediu-lhe sua opinião.
- Não meu filho. Eu acho que não é pecado jogar fora a comida estragada.
O menino agradeceu e abraçou a mãe. Quando já estava saindo, seu pai que tudo ouvira em silêncio disse-lhe assim.
- Tu vais queimar nas profundezas do inferno se jogar aquele peixe fora. – falou assim não por que acreditasse no inferno ou se preocupasse com a alma do filho. Pensava simplesmente em auferir lucro com o caso. – Desde quando peixe seco vai estragar.
- Mas o que eu faço? Eu não quero ir pro inferno.
- Mas Jango! Ele não pode levar de volta, pois o peixe já está fedendo e não mais será vendido. E agora não pode jogar no mar, então o que ele vai fazer?
- Filho eu vou contigo trago esses peixes pra casa. Assim você alegra o seu patrão, não se prejudica e ainda teremos alguns peixes.
E desta forma agiram.
...............................
Naquela noite Jango ficou lavando os peixes a fim de retirar-lhes o terrível cheiro de urina que estava impregnado. Sabia que se os lava-se corretamente e conseguisse uns poucos dias de sol eles ficariam bons de novo. Pensava consigo como as pessoas podiam ser ignorantes. Onde já se viu peixe seco estragar. Era muita frescura desse povo. Só por que estava cheirando mal. Tanta gente passando fome e esse pessoal jogando comida fora. Isso até chega a ser pecado. Ficou tratando do peixe e pensando o que haveria de fazer com tudo aquilo. Com certeza poderiam comê-lo, mas isso não resolveria o problema de falta de dinheiro e além do mais ninguém pode viver comendo somente peixe salgado, havia o açúcar, o sal e o café e tudo isso custava dinheiro. Eles não precisavam de peixe, precisavam de dinheiro e rápido. Ele iria vender aqueles peixes nem que tivesse que pegar a canoa e ir a remo a Joinville, mas ele não iria passar o inverno todo comendo cação seco. Aquilo não era condizente com seus ancestrais. Ele era descendente de ricos fazendeiros. Donos de escravos e de terras. Tinha uma dignidade a zelar. Talvez hoje sua situação não fosse das melhores, mas com certeza em breve ele reconquistaria a glória que a família um dia perdera por causa daquela estúpida lei áurea. Amaldiçoou a princesa Isabel. Sabia que já era pra estar rico se não tivesse sido roubado pelo seu próprio irmão. Quando pensava no engenho de farinha que tinham montados juntos e em como fora atraiçoado pelo seu próprio sangue. Pensava nos peixes e depois voltava a amaldiçoar o dia em que amassara banana para alimentar o irmão mais moço que ia crescer com o único propósito de apunhalá-lo pelas costas.
Seus pensamentos ficaram vagando sobre esses temas até que terminou o serviço, tomou um banho e foi dormir.
O tempo passou, o peixe secou novamente ao sol e o cheiro nauseabundo abandonou-o sem deixar nenhum sinal de sua existência. Então, no dia seguinte a conclusão do serviço de secagem, antes que o sol nascesse Jango carregou o carro de boi com as capas de cação e partiu em direção oposta a mercearia de onde eles eram provenientes. Passou o dia percorrendo as mercearias e vendas em busca de alguém que lhe comprasse a mercadoria. Nada conseguiu. Pela estrada, ele cabisbaixo, cansado e sujo, logo atrás o boi e a carroça. O boi velho, feito em pele e osso. Parecia que ia se desmontar a qualquer momento. O rangido da carroça uma lamentação. Um choro sem fim fazendo a trilha sonora daquele dia perdido. Ninguém fez oferta que pudesse ser aceita. Por fim cansou-se e voltou pra casa.
Naquela noite foi dormir com o problema dos peixes martelando sua cabeça. Teve sono agitado e cheio de pesadelos. Isso fez com que acordasse muito cedo. Ainda era noite e já estava vestido, calçado e com uma faca na cinta, como alias em todos os dias de sua vida adulta. Saiu sem avisar ninguém. Desta vez foi na direção contrária a do dia anterior. Na escuridão que precede o alvorecer iam pela estrada ele, os peixes, o boi, a carroça e o lamento.
Tudo que conseguiram foi mais um dia de caminhada, cansaço, negativas e lamentos. Mais um dia se passara e nada de resultados.
Então movido pelo desalento e pela total certeza do fracasso dirigiu-se no terceiro dia a mercearia que restara ao seu alcance. Justamente aquela que havia jogado os peixes fora. Tinha medo de que os peixes fossem reconhecidos e ele acusado de roubo ou coisa parecida. Por que quando as pessoas querem fazer o mal elas nem precisam de um motivo racional para fazer uma acusação e conturbar a vida de alguém.
Caminhou pela estrada poeirenta, só ele o boi e frio. O gemido da carroça remoendo suas idéias. Tentou criar coragem. Tratou de pensar nos ancestrais e no orgulho familiar. Estufou o peito, ergueu a cabeça e forçou um meio sorriso. Arrumou a roupa o melhor que pode. Respirou fundo e entrou na mercearia.
- Boa tarde
- Tarde Jango. Como vão as coisas?
- Vão como Deus manda. Nem muito bom nem muito ruim.
- Eu sei. Eu sei.
- Frio de mais.
- também acho. E tampem acho que você não veio aqui discutir o tempo. Estou certo?
- Tá certo sim. Vim fazer negócios. Vem comigo até ali fora. Quero te mostrar uma coisa.
Foram até o carro de boi onde Jango pôs-se a louvar as qualidades do seu cação salgado e contou às agruras que passou para capturar aquele lote de peixes. Não esqueceu de pintar o quadro de fome e dificuldades que a família estava passando. A principio o comerciante estava relutante. Não queria adquirir um produto que fosse apenas mais um estorvo em sua loja. Mas com o tempo foi deixando convenser-se de que o negócio não poderia ser assim tão ruim.
- Façamos o negócio dessa forma então. Do preço que você me pediu eu desconto o que você me deve e o restante eu pago em duas vezes, uma agora e outra no mês que vem. O que você acha da proposta?
Jango inclinou a cabeça, tirou o chapéu. Pensou rápido e aceitou antes que a oferta fosse retirada.
- Tá certo então. Vamos entrar e fazer as contas pra ver quanto isso vai dar.
Contas feitas, as parcelas definidas. O dinheiro entregue nas mãos de Jango, que segurou avidamente a notas. Enfiou tudo no bolso e sentiu-se subitamente mais feliz, mais confiante e orgulhoso.
- Um brinde! E por conta da casa. - Cachaça branquinha feita em alambique das vizinhanças. Desceu gostosa, esquentando o corpo.
- A segunda eu pago. - E papo vai papo vem. Cachaça vem e cachaça vem. A alegria subindo a cabeça e com ela vai junto o orgulho. O tempo foi passando e aos poucos o dinheiro foi escorrendo goela abaixo. No fim restou apenas um homem bêbado, voltando pra casa deitado num carro de boi e sem dinheiro algum. No rosto um sorriso, na mente a certeza de ser mais esperto que seus conterrâneos. Entorpecido e feliz. Convencia-se de que era melhor que todos eles. Não se preocupou com o dinheiro gasto e nem com o comeriam a noite. Cheio de cachaça nos cornos foi pra casa embalado em sonhos de grandeza.
No mês seguinte a esposa encarregou-se de recolher o resto do dinheiro.

domingo, dezembro 24, 2006

Bingo

É! É isso aí!
Eu tô no bingo. Quem foi que disse que eu não gosto de viver perigosamente. Aventura e emoção. Vou me entregar aos riscos da jogatina. Ainda mais com todo esse dinheiro no bolso. Não saio daqui enquanto não torrar todos os cinco contos que eu trouxe.
Está bem! Vou falar a verdade. Eu não estou nem aí pro jogo. Arranjei uns cupons de desconto e por três pilas, encho a pança de pizza, até sair rolando de tão gordo e inchado. Se eu ganhar alguma coisa, ótimo se não. Bom pelo menos garanti um rango.
Não dá pra dizer que o lugar é agradável, ou que o ambiente é saudável, na verdade é bem o contrário. O ar viciado do ar condicionado, a iluminação, não precária, mas que deixa as pessoas, parecendo zumbis, com a pele acinzentada e morta. E por mais que eu mude de lugar, a área de fumantes é sempre do meu lado.
Os atendentes. Sempre bem vestidos e muito prestativos. Sempre prontos para oferecer-lhe uma cartela. Uma, e mais uma, e outra, e mais outra enquanto você tiver dinheiro, eles estarão ao seu redor. Como corvos atras da carniça. Mas mesmo assim eles sorriem o tempo todo. E é nessas horas que eles me assustam. Não que fiquem com cara de bravos, não é isso. O problema é que eles ficam com aqueles olhares vazios, de corpos ocos, sem alma. Enquanto eles vagam pelo salão feito açoitadores em uma lavoura escrava. Lá no alto fica a líder, a supervisora, bruxa-mor. Os cabelos loiros, lisos, belos não escondem os olhos maldosos, encravados naquele lindo rosto. É ela a responsável pelo vôo dos corvos. Sempre lá. Os olhos correndo, prum lado, pro outro. Sempre pronta para punir a ave que não voa o bastante, ou a ave que não morde o suficiente.
Eles estão lá correndo pra lá e pra cá, batendo cabeças. Empurrando todas as cartelas que podem, e as que não podem também. Voem pássaros de mau agouro. Enquanto as aves voam, eu como. E enquanto como eles jogam.
Tenho mais farelo de pizza na mesa do que cartelas jogadas. Se todos os clientes fossem iguais a mim, eles fechariam o bingo e abririam um rodízio. Enquanto como escrevo e observo a fauna local. Exceto as meninas que trabalham aqui, o que temos é uma verdadeira floresta de celulite e varizes. Quanto as dentaduras, nem vou me dar ao trabalho de discuti-las. Algumas das “mulheres” daqui tem mais bigode do que eu!
Arg! Que nojo!
Não entendo! Realmente não entendo. Que fascinação os velhos tem pelo bingo. Quase todo mundo aqui, pegou carona com Noé. Quem sabe o fato de ficar isolado do mundo e da vida, alivia a dor de ficar velho e saber que a cada dia se está morrendo mais um pouco. Eles entram e os pássaros já os atendem pelos nomes. Ficam sentados, sozinhos, fumando, esperando o jogo começar, e então desligam-se do mundo. Esquecem tudo e se entregam ao papel numerado. E se eles não ganham dessa vez, não tem problema. Eles não vão a lugar nenhum mesmo. Já aceitaram a morte. Entregaram a alma. E o corpo? Este eles entregam calmamente. Dia-a-dia entregam um pouco. Os olhos perdendo o brilho, a pele perdendo o viço. E as mãos? Agora só conseguem firmar a caneta. A voz? Embargada pra qualquer palavra que não comece com ”b” e termine com “ingo”. É, pelo menos os velhos encontraram um jeito de se desligar da vida e do sofrimento. Enquanto eu continuo no ataque, agora é aquela quatro queijos, que morre.
Enquanto mastigo, fico olhando pras aves. Nem sempre eu pensei neles como seres alados. Teve uma época que eu pensava que eram todos alienígenas, eles e alguns dos idosos, que já estão no bingo há tanto tempo que parecem fazer parte da mobília. Isso aí! Aliens. Tipo invasores de corpos. Tudo bem que essa impressão sempre vinha acompanhada de um mórbido pesadelo de que quando eu acabava de encher o pandulho, me levantava e caminhava em direção a saída, o porteiro que fica do lado de fora do bingo, fecha a porta e fica me observando pela pequena janela de vidro que há na porta. Eu tento abrir a porta na marra, enquanto puxo a maçaneta, eu vejo aquele rosto, inexpressivo, mudar-se em um sorriso maléfico e um brilho ensandecido surge em seu olhar. Nisto eu olho pra trás e vejo-me cercado por vários velhinhos e velhinhas, eles trazem bengalas, bolsas, guarda-chuvas e até mesmo tamancos. Eles trazem essas coisas, suas armas. Todos eles tem o mesmo sorriso sádico no olhar. Não dizem nada. Apenas se aproximam. Saio correndo, na direção que acho que, estão mais fracos e que conseguirei passar. Empurro um, escoro outro, eles vão caindo. Estou passando. Aí! Não estou mais. Um velho agarrou meu braço. Começo a jogar o corpo pra traz, com toda força. O maldito velho não larga. Eu continuo me afastando. Passo a socar e a chutar o velho. Enfim ele me larga. Saio correndo pelo salão. Corro em direção a cozinha. Sempre me desviando dos corvos. Eles são mais rápidos que os guarda-costas do Moisés. Quando chego na cozinha. Me lança pela porta e descubro que a cozinha está entulhada de pássaros. Não há pra onde fugir. Corro pro salão. Pronto. Estou cercado. Ainda consigo agarrar um troféu desses que eles distribuem no bingo. Desesperado. Começo a gritar:
Venham! Vem seus filhos da puta. Cês querem me pegar. Vão se foder.
Enquanto eu berrava e cuspia, minhas mãos encharcadas de suor, seguravam o metal frio do troféu.
A respiração ofegante, o suor caindo nos olhos. A pulsação quase estourando. Então eles aumentam a música ambiente. Enquanto New York, New York explode nos alto-falantes, eles começam o seu ataque.
O primeiro que avança, eu derrubo com uma trofeusada certeira no meio dos cornos, o segundo se atira sobre mim, eu desvio e sento o troféu nas costas dele. Enfim eles começam a se atirar, todos juntos, sobre mim. Eu chuto, eu soco, eles me agarram, me batem, uma velha morde minha perna, eu grito, me debato e sou afogado por aquele monte de mãos, bengalas, tamancos e guarda-chuvas.
No outro dia. Lá estou eu, um puta olho roxo, alguns curativos espalhados pelo corpo, a pele acinzentada, os olhos vazios e um sorriso idiota no rosto. E assim vai ser todos os dias.
Convenhamos, passar a eternidade no bingo é realmente um pesadelo assustador.
Mas deixemos de conversa. Minha calça e minha barriga chegaram a conclusão de que eu já comi demais. E a barriga já disse que se a calça continuasse a pressioná-la, ela ia arrebentar com tudo, botão, fechecler, cinto, cós gavião, ia fazer o diabo.
Então nessas condições nada mais me resta senão voltar para casa.
Ah! É claro que eu vou de bicicleta. Vocês sabem como é, eu me preocupo com o meu físico.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Frases. Nº 02


Sonho é luxo de quem consegue dormir.


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quinta-feira, dezembro 14, 2006

Ônibus

O que posso dizer sobre ontem. Saí 10 minutos mais cedo pra pegar o ônibus. Estava chovendo. E posso afirmar que não era pouca coisa. Avistei o coletivo deixando o ponto final quando eu já estava na metade do caminho. Ele iria passar ao meu lado. Fiz sinal pra que parasse. Afinal eu estava no meio do nada e na chuva. O motorista olhou para mim deu de ombros e foi em frente. Levantei meu braço direito e estiquei meu dedo médio. Mostrando para onde ele e o seu maldito ônibus deveriam ir.
25 minutos depois chegou outro veículo que me levou até o Kobrasol onde eu tinha que pegar a minha conexão. Mas cheguei tarde demais. Já eram 17h45min. Minha linha já tinha passado há muito tempo. Fiquei em pé no ponto de ônibus esperando. Passava ônibus até pro inferno. Só o meu não vinha. Quando cheguei ao ponto o único lugar vago era na beira do abrigo. Fiquei ali tomando chuva até conseguir uma vaga num ponto mais resguardado. Então estou eu lá muito puto da cara. Ruminando as desvantagens da pobreza e as humilhações de depender do transporte público. Quando uma velhinha de pele enrugada, cabelos brancos, coluna curvada. Me chama e sorrindo me diz:
- O moço senta aqui por que senão ninguém pode ver o ônibus que está vindo.
Como disse eu estava possesso de raiva. E pensei comigo mesmo. Mando. Não mando. Mando. Não mando. Não mandei. Simplesmente olhei pra velha com o meu melhor olhar de serial killer e me afastei dela o mais rápido que pude.
Continuava chovendo e nada do meu transporte chegar. Puxei um livro do Edgar Allan Poe e fiquei matando o tempo. Quando o maldito transporte chegou embarquei. Lá dentro. Aquele monte de pobre apinhado. Um por cima do outro. Amaldiçoei de novo a minha pobreza. Achei um lugar pra me apinhar entre os outros macacos e tentei seguir meu caminho em paz. Mas as coisas não podiam parar por aí. Simplesmente o veículo estava todo fechado por causa da chuva. O ar estava abafado. O lugar cheio de gente. Muitos voltando do trabalho. E que odor agradável vem juntar-se ao cheiro de gente suada? Urina. É isso o que eu mereço após um longo dia de trabalho. Um ônibus fedendo a urina. Por sorte minha viagem não demorou mais do que 45 minutos.
Mas tudo bem, não vou me desesperar. Amanhã tem mais. Sempre tem mais.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Eu e o cachorro

Bem! Agora eu tenho um cachorro. Não é bem um cachorro. É uma cadela. Mas o fato é que ela está lá. Morando lá em casa com a gente. Quem quis o cão foi minha esposa. A desculpa é que era para fazer companhia pra nossa filha de dois anos. O fato é que ela sempre quis ter um cãozinho de estimação, mas nunca pode então agora se aproveita da criança para realizar o seu desejo. Nada de mal. Quando fomos buscar o animal na clínica veterinária onde ele aguardava pra ser adotado, qual não foi a minha surpresa? Eu esperava um filhote pequeno e indefeso. E aparece-me um tomba lata de aproximadamente uns três anos de vida. Em sua defesa podemos afirmar que tem um olhar meigo, tamanho pequeno e pelo fofo de cores que vão do branco, nas pontas, escurecendo, ficam cinzentos nas raízes. Gostei do cachorro logo que nos conhecemos.
Em casa ela se deu bem com a minha filha. Não quis comer a ração que eu comprei por que era das mais baratas. Levou dois dias até descobrirmos qual ração ela comia. Era uma das mais caras. Sem problema. Ela é pequena e come pouco. Acho que ela está feliz conosco. Damos banho, comida, água e carinho. Acho que um dia ela já teve carinho, mas isso foi antes do acidente. Ela foi atropelada na rua. Suas pernas esmagadas sofreram fraturas expostas, parte de suas vísceras ficaram expostas também. Seus donos se a viram não tiveram a decência de sacrificá-la. O pessoal da veterinária recolheu-a e tratou-a apesar de todos acreditarem na morte certa. Nas pernas ela tem pinos de metal. Ainda hoje ela manca. E pelo visto sempre mancará. As pessoas não sabiam, mas na época do acidente ela estava grávida. E mesmo passando por tudo o que passou conseguiu levar a gestação a um bom termo. Quando já estava recuperada foi posta pra doação juntamente com os filhotes. Eles foram todos adotados. Só ela ficou rolando de um lado para outro. Pelo menos até o dia em que fomos buscá-la.
Demos a ela o nome de Lan. Era pra ser Lã, mas como minha esposa é Edy e minha filha é Liz ficou Lan para que todas tivessem três letras no nome.
Hoje Edy, Liz, Lu e Lan formam uma família feliz.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Frases. Nº 01

Sozinho.

Ando ou escrevo?

Ando...



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sexta-feira, dezembro 08, 2006

Uma história de natal

Era a noite de véspera de natal. Mas Silvio não tinha família. Morava sozinho. Os poucos amigos que tinha ou estavam viajando ou estavam com os parentes. Voltava do trabalho. Passo lento. Os ombros caídos. Os cabelos presos num rabo de cavalo oscilavam no ritmo de seus passos. A camisa aberta e a bermuda não eram leves o suficiente pra refrescá-lo. O natal seria quente. Muito quente. E ele sentia isso na pele. Branco demais, magro de mais. O nariz levemente aquilino, os olhos verdes, barba rala e um sorriso amistoso. Não tinha maldade no coração. E isso o levava a cometer grandes idiotices e um sem número de coisas estúpidas pra si mesmo. Mas mesmo depois de passar por maus momentos ele sempre voltava à ativa com um sorriso nos lábios e uma nova carga de esperança na vida.

A avenida a sua frente estava deserta. Pensou o que faria com o brinde de natal que recebera da empresa. Cidra e panetonne. O primeiro ia morrer nessa mesma noite. Já o segundo, pensava em jogá-lo fora, mas os dias em que passara fome ensinaram-lhe que não se devia desperdiçar comida. Percorria seu caminho concentrado nesse problema quando ouve uma voz.

- Moço. Oh! Moço tem um trocadinho pra me dá? – era um menino mirrado, cara suja, roupa suja, oito, talvez dez anos. Um mulatinho que de branco só tinha os dentes e uma parte dos olhos.

- Tenho não garoto.

- Moço não tem nada mesmo? Eu tô com muita fome. – reiterou o pedido forçando um olhar de cachorro pidão.

O pedido mexeu com Silvio e tocou algumas lembranças que ele preferia ignorar. Mas ele não conseguia.

- Tu não tem casa guri? Cadê teu pai cadê tua mãe?

- O pai ta preso. E minha mãe ta com um cara que só quer saber de me bater. Então eu fugi de casa.

- E tu mora aonde?

- Eu durmo por ai.

Deve ter sido a mistura de espírito de natal, solidão e os seus traumas pessoais o que apertou o coração dele diante daquele menino. Sempre fora emotivo. Principalmente quando o caso envolvia crianças. Esqueceu que estava exausto e que estava indo pra casa. Olhou pro garoto e teve certeza de que iria fazer a coisa certa. Afinal era uma época de amor e fraternidade.

- Quer comer?

- Quero.

Sentaram-se no meio fio. Silvio abriu a caixa de panetonne e rasgou um pedaço pro guri. O pequeno devorava a comida com uma vontade que dava até medo. Silvio forçava a rolha da garrafa. A criança estava tão entretida com seu alimento que quando a rolha saltou com seu estouro característico o menino de um pulo pôs-se de pé. E teria saído correndo se não tivesse sido chamado de volta.

Ficaram ali. Em silêncio. Um bebia. O outro comia. Enquanto saboreava a espumante começou a pensar o que seria daquele menino se passasse o resto da sua infância sozinho. Iria pras drogas e pra marginalidade. Morreria cedo. Uma morte triste e estúpida. Talvez uma doença ou overdose ou até mesmo um tiro. Isso não era coisa muito rara de acontecer na cidade. Sempre tivera muito jeito com crianças. Elas sempre o adoravam. Talvez por que fosse apenas uma criança grande. A bebida fazia efeito muito rápido nele. Estimulava sua alegria e sua bondade. E assim tomado por esses bons sentimentos tomou uma atitude.

- Onde tu vai dormir hoje?

- Por ai. – disse o menino num tom indiferente.

- Quer ir pra casa comigo? Não tenho luxo, mas pelo menos um teto pra se proteger e um sofá pra dormir você vai ter.

O menino ficou em silêncio olhando para aquele adulto estranho. Olhou pro chão. Olhou pro céu. Apesar do calor e tempo abafado o céu estava nublado. Prenuncio de chuva com certeza.

- E tem comida lá?

- Tem sim garoto. Tem bastante comida pra nós dois.

- Ta bom então. Assim eu quero.

- Então vamos.

Caminharam juntos por um bom tempo. Silvio não se estressava com as muitas perguntas que o garoto fazia. E respondia a todas com muita atenção. Assim nem viram o tempo passar. Chegaram ao barraco e foram logo preparando uma janta. O menino foi levado ao banho. Jantaram. Assistiram televisão. Riram. Quando deu meia-noite trocaram abraços e desejaram feliz natal um ao outro.

- Sabe moço, esse foi o primeiro natal que eu tive de verdade.

- Ah! Garoto se depender de mim você vai ter muitos e muitos natais. E ainda melhores que esses. Vem cá me dar um abraço.

- Obrigado moço.

Silvio sentiu aquele corpo pequeno em seus braços. Tão magro. Tão frágil. Sentiu vontade de protegê-lo e alimentá-lo. Aquele pedaço de gente teria um carinho que ele vinha guardando há muito tempo e não tinha a quem dá-lo. Os olhos encheram-se d’água. Mas homem que é homem não chora então tratou de enxugá-los sem que o menino o visse.

Depois disso preparam o sofá com lençóis, travesseiro e cobertor. Desejaram boa noite e foi cada um pro seu leito. Na cama a certeza de que estava fazendo a coisa certa o reconfortava. Deus estava vendo. Não fazia aquilo por interesse mais sabia que Deus sempre protegia as pessoas que faziam o bem ao seu próximo. Embalado por essa certeza e a de que não viveria mais solitário dormiu com um sorriso nos lábios.

Na manhã de natal acordou por volta das 11h00min. Não achou o menino, nem o tênis, nem a carteira e nem o DVD. A porta da casa estava aberta e novamente ele estava sozinho no mundo.

Eu não quero ficar aqui chorando muito, mas instalar pedágios nas BRs 101 e 116 é demais pra qualquer um. Pagar pra andar numa estrada que os meus impostos já pagaram é um abuso. Falando em abuso o rei careca (Governador do Estado) quer aumentar o ICMS em 2%. A desculpa pra essa sandice? Ações sociais! Alguém acredita nisso? Eu não. Acho que vou tentar uma vaga pra ser "A voz que clama no deserto" Com sorte alguém corta minha cabeça e vocês não terão mais que ler esses desaforos.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Acidente de trabalho

- Amor acorda. Amooor.
- Hum! Que foi? – respondeu ainda dormindo.
- Ouvi um barulho lá embaixo.
- Não é nada. Volta a dormir.
- Eu tô com medo. Eu não vou dormir e nem vou deixar você dormir enquanto você não descer lá e olhar as portas e janelas e me garantir que não tem nada de errado lá em baixo.
Aquelas palavras foram o suficiente para que ele perdesse a esperança de voltar a dormir. Sabia que ela falava sério. Era uma de suas qualidades e também o seu maior defeito. Depois que colocava uma idéia na cabeça ninguém a convencia do contrário.
- Tá bom eu vou ver o que está acontecendo. – sentou-se na cama e esfregou os olhos com as costas da mão. Os pés tateavam o chão frio em busca das havaianas. Olhou pro rádio relógio e não acreditou no que via. Eram 04h00min da manhã e ele teria de sair da sua cama quentinha só para satisfazer os desejos paranóicos da esposa. Levantou-se em silêncio. Levava a mão ao interruptor de luz quando ouviu um barulho vindo lá de baixo. Recolheu a mão assustado.
- Eu disse que...
- Psshii. Fica quieta. – sussurrou.
Ainda na escuridão caminhou ao guarda-roupa suas mãos avançaram pela roupa macia. Remexeu de um lado para outro até que achou e retirou o seu revólver novo. Um trinta e oito. Bulldog. Cromado. Balançou a arma na mão para sentir-lhe o peso. Gostou do que sentiu. Tirou os pés de dentro das sandálias. Descalço e com passos leves deslizou pra fora do quarto. Pensou na esposa que deixava pra trás e na filha que dormia no quarto ao lado. Faria o que fosse preciso para mantê-las a salvo. Com certeza era um vagabundo bêbado ou drogado. Talvez fosse “de menor”. Nesse caso, se, detê-lo até a chegada da polícia eles o levaram e em um ou dois dias ele estará solto de novo. Voltará aqui e ameaçará minha família. Não posso deixar isso acontecer. O melhor a fazer é atirar primeiro, perguntar depois. Nas aulas de tiro o professor sempre repetia “É melhor ser julgado por sete do que carregado por seis”. Verificou o quarto da pequena. Agradeceu a Deus por ela estar dormindo tranquilamente. Pousou uma mão no apoio da escada. Com a outra apontava a arma lá pra baixo. Foi descendo le baixo. Foi descendo lentamente. Atento. No silêncio predominante o som da própria respiração o incomodava. Parecia que seria denunciado por ela a qualquer instante. O dedo já repousava no gatilho. Suava profusamente. Seus olhos já estavam mais acostumados à escuridão. Nas trevas percebeu uma silhueta. Ela parecia ajeitar coisas dentro de um saco. Bandido safado. Sentiu o ódio subir-lhe a cabeça. Não pensou mais. Passou fogo no intruso.
-Aih! – foi o último som emitido pelo invasor. Seu corpo tombou pesadamente no meio da sala.
Com o barulho a criança acordou chorando. A esposa gritava assustada. Ele ouviu os passos lá em cima. Correu e acendeu a luz.
- Puta que pariu!
- Oh! Meu Deus! – ela correu pra abraçar a filha.
- Mamãe! Mamãe! Papai matou o Papai Noel.
Noel morreu a trabalho na madrugada de Natal.