domingo, fevereiro 06, 2011

Êxodo

Sacudindo dentro do ônibus velho, cortava o estado vindo do longínquo oeste em direção às praias catarinenses. A paisagem seca e poeirenta não mudara nas últimas horas. De fato nada mudara desde o dia que nascera. A terra vermelha, o verde queimado e o azul do céu eram as cores que marcaram sua vida. Pelo menos até ali. Agora era a hora de ver outras terras, outras cores. Queria ver o mar. Queria mais. Queria mergulhar nele e sentir aquele prazer que via na televisão. Quando chegasse em Florianópolis teria 42 praias paradisíacas ao seu dispor. Haveria festas e mulheres. Não aquelas alemoas enormes e nem italianas narigudas como as da sua cidade. Mas mulheres que vão a salões de beleza, academias e praias. Mulheres que não tem calos nas mãos, que sabem se vestir bem e estão cheirosas o dia inteiro. Sentia que sua vida estava prestes a começar de verdade.
Voltou à realidade quando o ônibus reduziu a velocidade e saiu da Br. Ali à frente mais uma cidade esquecida por deus. Uma pequena ilha de vida prestes a naufragar num mar de poeira. Assim era o oeste. Um doente a espera do golpe de misericórdia. Golpe que era adiado pelo governo, década após década. Aquela era uma terra pra dois tipos de pessoas, os sonhadores e os desiludidos. Os primeiros acreditavam que ainda existia uma chance de vencer. Os últimos sabiam que tudo era inútil, até mesmo a fuga. Ele não se encaixava em nenhum dos dois tipos. Por isso comprara uma passagem só de ida.
- Parada. 10 minutos. Embarque e desembarque.
Aproveitou pra esticar as pernas. A rodoviária da cidade não passava de um prédio velho, acanhado, precisando de pintura e com docas demais para o fluxo de veículos que recebia.  Espremidos ali dentro havia um banheiro, um guichê e um bar lanchonete, mais pra bar do que lanchonete. Não achou um bebedouro por ali. Foi ao banheiro beber água da torneira e molhar os braços e o rosto pra aplacar o calor.
O espelho trincado e a pedra da pia quebrada, não ajudavam o banheiro  a ganhar pontos no quesito decoração. Girou a torneira e nada. Seca igual a sua garganta.
- Que merda.
Saiu dali com a certeza de que estava fazendo a coisa certa. Ficar no sítio com seu pai só iria prolongar o sofrimento do velho. Não importava quanta chuva caia no vale do Itajaí. Não fazia diferença se Blumenau estava debaixo d’água. No oeste a colheita seca, o gado morre e as dívidas aumentam. Ele era jovem, mesmo assim já assistira vários colonos perderem suas terras para os bancos. E não estava nos seus planos presenciar seu pai entregar tudo o que tinha pra um banqueiro.  Os sinais da decadência estavam todos lá. Só seu pai não conseguia vê-los.
Na lanchonete velha com balcão de fórmica carcomida, refrigerador enferrujado um velho de traços germânicos atendia os poucos passageiros que se arriscavam a pedir alguma coisa. Com seu avental encardido e o suor pingando do rosto ele combinava muito bem com a mobília do local.
- Eu quero uma garafa d’água.
- Aqui. Son R$5,oo.
- Que! R$5,oo um litro d”água. Mas ali tá escrito que é R$2,50.
- Hein. Non liga pra aquilo. Son os preço velhos. Enton vai levar?
Não. Deixa pra lá – e depois resmungou baixinho – velho miserável.
Voltou pro seu lugar no ônibus. Ia ter que aguentar até a próxima cidade. Talvez pudesse matar a sede por lá. Jogou o banco bem pra trás, fechou os olhos, amaldiçoou aquela terra mais uma vez e dormiu sonhando com o mar.

Conto escrito para o blogue "Duelo de escritores"

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3 comentários:

  1. Pobre diabo! Se ele soubesse que a Ilha da Magia é chamada agora "Ilha da Ilusão". É triste a ironia da vida.

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  2. E agora Cris? Todas as terras são iguais? Será que o que realmente muda somos nós?
    Um abraço moça.

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  3. Mágicos são ilusionistas. Talvez daí que a Ilha da Magia seja a Ilha da Ilusão.
    Um abraço Márcio e apareça.

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