sexta-feira, setembro 28, 2007

Mulher lendo um livro.


A foto é de um quadro que está exposto na casa dos pais da Nin. Certa vez ela fez uma postagem falando sobre como achava enigmática aquela pintura e conversando chegamos à conclusão que seria interessante escrever uma história para aquele quadro. Dessa forma ela enviou uma foto para mim e a partir dessa imagem escrevi o texto abaixo. Espero que apreciem a leitura.


O rosto duro e vincado pelos revezes da vida formavam uma máscara. Uma muralha que mantinha a todos fora do que realmente estava ocorrendo em seu coração. Tinha sido assim por tantos anos e continuaria sendo assim por mais alguns. Agora era tarde de mais para mudar qualquer coisa em sua vida. Até mesmo porque o que tinha importância já estava além de qualquer correção ou pedido de desculpas. A vida tem dessas coisas. Ela não espera por ninguém. O que restava agora era uma monótona espera pelo fim da sua própria vida. Cada novo dia vencido era contabilizado como mais um dia desperdiçado. Há tempos que tudo o que ansiava era uma morte suave, mas que chegasse o quanto antes.
A bíblia ilustrada em suas mão era testemunha de todos os acontecimentos verdadeiramente relevantes da sua vida. Entretanto ela não se dispõe a revelar coisa alguma. Melhor assim. O silêncio com certeza é mais agradável do que uma justificada seqüência de acusações e cobranças. Seus olhos repousam sobre as páginas, porém não vêem nem letras nem gravuras. Eles estão longe no passado. Revendo passo a passo desde a criação até a morte de seu filho. Os pais jamais deveriam viver mais que seus filhos. É uma pena que isso nem sempre aconteça. Ela continua aqui enquanto o filho agora é apenas uma lembrança dolorosa e uma grande gama de sentimentos. Dor, revolta, remorso, solidão e culpa. Encontraram o corpo pendurado por uma corda amarrada no pescoço. Ao lado dele a bíblia que ela lhe dera. Agora passava os dias sentada em sua cadeira de balanço especulando sobre o que havia feito de errado. Qual fora o grande pecado que cometera? Ou será que teriam sido inúmeros pequenos pecados que ao longo dos anos se acumularam até o ponto de saturação que o levou àquela decisão de dar fim a própria vida. Nesses casos nunca há respostas fáceis. Então ela folheia o livro e pensa nas surras que deixou o marido aplicar. Lembra do rigor extremo na hora da educação. Das privações que ele passou quando teve de morar na casa do irmão e da cunhada. Pensa nos abraços e beijos que não lhe deu em vida. Vê diante de si a imagem do neto que não traz em si nenhum traço do pai, porém lembra em tudo o tio falecido. Talvez esse fosse o verdadeiro motivo. Talvez...
Virou mais uma página das sagradas escrituras e continuou remoendo o seu passado. Por mais que ela virasse as páginas e os dias passassem ela nunca mudava a sua história. Tinha sido assim nos últimos dez anos e continuará sendo assim até que sua espera tenha fim.

13 comentários:

  1. Sabes que gostei muito... Vou colocar um link na Vizinha para teu texto...
    Desejo-te um bom fim-de-semana, senhor escritor ^

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  2. Bom final de semana pra Andreia.

    Nin obrigado pelo link e um bom fim de semana pra você também.

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  3. O Fundo negro do quadro faz-me lembrar a escola holandesa e tb o Rembrandt...Nem sei muito bem o que me costumam transmitir, nunca tentei concretizar mas o teu texto é uma boa abordagem :)

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  4. Não foi o quadro pintado a partir do seu texto não??
    Tem certeza??? rs
    Beijos, ótimo texto, como sempre!
    =**

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  5. Babi eu enrolei por uns 06 meses até conseguir produzir esse texto.
    Obrigado pela visita.

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  6. Nossa valeu a espera, ficou muito bem, a cada linha revia este rosto austero, com marcas de dor. Parabéns realmente emocionante.
    Abraços

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  7. Obrigado Rosa.
    Volte sempre. Serás muito bem acolhida.

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  8. És um escritor!

    Sei porque quando olhei o quadro enquanto lia, consegui a junção de ambas as artes.

    É isso!

    []

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  9. Foi muito boa a sua observação no quadro, pois assim conseguiu fazer um excelente texto. Parece que o texto pertence ao quadro ou vice-versa. Parabéns!

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  10. Luciana se tem algo que me deixa feliz é conseguir interagir com as idéias de outras pessoas. Foi o que aconteceu nesse quadro.
    Um abraço moça.

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