
A foto é de um quadro que está exposto na casa dos pais da Nin. Certa vez ela fez uma postagem falando sobre como achava enigmática aquela pintura e conversando chegamos à conclusão que seria interessante escrever uma história para aquele quadro. Dessa forma ela enviou uma foto para mim e a partir dessa imagem escrevi o texto abaixo. Espero que apreciem a leitura.
O rosto duro e vincado pelos revezes da vida formavam uma máscara. Uma muralha que mantinha a todos fora do que realmente estava ocorrendo em seu coração. Tinha sido assim por tantos anos e continuaria sendo assim por mais alguns. Agora era tarde de mais para mudar qualquer coisa em sua vida. Até mesmo porque o que tinha importância já estava além de qualquer correção ou pedido de desculpas. A vida tem dessas coisas. Ela não espera por ninguém. O que restava agora era uma monótona espera pelo fim da sua própria vida. Cada novo dia vencido era contabilizado como mais um dia desperdiçado. Há tempos que tudo o que ansiava era uma morte suave, mas que chegasse o quanto antes.
A bíblia ilustrada em suas mão era testemunha de todos os acontecimentos verdadeiramente relevantes da sua vida. Entretanto ela não se dispõe a revelar coisa alguma. Melhor assim. O silêncio com certeza é mais agradável do que uma justificada seqüência de acusações e cobranças. Seus olhos repousam sobre as páginas, porém não vêem nem letras nem gravuras. Eles estão longe no passado. Revendo passo a passo desde a criação até a morte de seu filho. Os pais jamais deveriam viver mais que seus filhos. É uma pena que isso nem sempre aconteça. Ela continua aqui enquanto o filho agora é apenas uma lembrança dolorosa e uma grande gama de sentimentos. Dor, revolta, remorso, solidão e culpa. Encontraram o corpo pendurado por uma corda amarrada no pescoço. Ao lado dele a bíblia que ela lhe dera. Agora passava os dias sentada em sua cadeira de balanço especulando sobre o que havia feito de errado. Qual fora o grande pecado que cometera? Ou será que teriam sido inúmeros pequenos pecados que ao longo dos anos se acumularam até o ponto de saturação que o levou àquela decisão de dar fim a própria vida. Nesses casos nunca há respostas fáceis. Então ela folheia o livro e pensa nas surras que deixou o marido aplicar. Lembra do rigor extremo na hora da educação. Das privações que ele passou quando teve de morar na casa do irmão e da cunhada. Pensa nos abraços e beijos que não lhe deu em vida. Vê diante de si a imagem do neto que não traz em si nenhum traço do pai, porém lembra em tudo o tio falecido. Talvez esse fosse o verdadeiro motivo. Talvez...
Virou mais uma página das sagradas escrituras e continuou remoendo o seu passado. Por mais que ela virasse as páginas e os dias passassem ela nunca mudava a sua história. Tinha sido assim nos últimos dez anos e continuará sendo assim até que sua espera tenha fim.