Castigo divino

Que crime os homens cometeram para que fossem condenados a frequentar supermercados? Que eu saiba quem comeu a porcaria da maçã foi a Eva. Então porque cargas d'água nós temos que fazer compras. Juro que começo a pensar em caçadas como uma forma romântica e relaxante de garantir alimentos. Os homens se reuniam, aguçavam lanças e flechas, depois partiam numa jornada de camaradagem e aventuras. Competiam entre si para provar quem tinha a melhor mira, a maior bravura ou quem matava o melhor animal.
Hoje o desafio começa na batalha por uma vaga no estacionamento. Rodando e rodando em busca de um lugar pra deixar o carro. Competindo hostilmente contra todos que ameacem cruzar o seu caminho ou usurpar-lhe a vaga que tanto demorou pra encontrar. Dentro do supermercado o trânsito não melhora muito. Mulheres que por natureza não sabem dirigir, crianças que acham que estão num brinquedo gigante de bate-bate, velhinhas míopes e mesmo outros machos tentam a todo instante te atropelar com seus carrinhos de compras. Em meio a todo esse caos está o homem comum. Perdido, deslocado e doido para fugir dali e voltar pra segurança do seu lar o quanto antes possível. Em suas pernas as crianças agarradas e pedindo isso e aquilo e colo. Então o choro. A esposa chega pagando um esporro geral e reclamando das crianças também. Ela dita palavras de ordem e exige obediência imediata. Num gesto de desespero ele pede uma tarefa. Pensa que qualquer coisa é melhor do que ficar seguindo ela e as crianças por todo o mercado. Como castigo pela ousadia de dirigir-lhe a palavra a esposa manda ele pra fila do açougue. O lugar parece mais o cenário de um acidente de carro. Carne, sangue e gente por todos os lados. Ninguém entende nada. Todos murmuram e volta e meio ouvem-se gritos. Em pé com uma senha na mão começa a amaldiçoar os pais que não souberam educá-lo como vegetariano. Depois de meia hora cercado de gente feia e tão confusa que não sabe o que pedir consegue comprar a carne que precisa e juntar-se a família na fila da caixa registradora. Na fila tem de tudo. Aquela pessoa que para de passar os produtos no caixa pra buscar algo que só lembrou agora, aquele outro que tem um rei na barriga e humilha o caixa e o marido grosso que briga com a esposa e os filhos. No meio dessa muvuca o nosso herói xinga e resmunga pedindo a Deus que faça a fila andar mais rápido ou que pelo menos seja misericordioso e o mate logo.
Enfim paga tudo, carrega o carro e vai pra casa. E quando pensa que tudo acabou ele olha pra esposa e então descobre que por uma aberração da natureza as compras não se guardam sozinhas e que ainda tem mais meia hora de castigo pela frente. Mas isso... isso já é outra história.

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