terça-feira, julho 26, 2011

Fíel


São Jorge é o exemplo. Ele é o padrinho e como ele vou agir. Porque coragem nunca me faltou e agora é hora de defender os inocentes. Jorge da Capadócia salvou a virgem das garras do dragão. Hoje eu serei Jorge e salvarei a nação corintiana de uma fera.
Ajeitou em cima da mesa um envelope redigido com sua melhor letra. Dentro havia suas explicações e últimos desejos. Conferiu a arma mais uma vez. Abriu o tambor, olhou as balas. Guardou o revolver no bolso do casaco. Carteira, chaves, capacete. Tudo certo. Saiu. Trancou a porta de casa e foi embora. No caminho sua mente revisitava os motivos para aquela violência. O Timão, o maior time de futebol do mundo não poderia sofrer de novo a humilhação de ser rebaixado à segundona do brasileirão. Algumas pessoas podem até dizer que aquilo é só um jogo e que não vale uma lágrima de um homem adulto, mas eles são cegos. Não entendem. São incapazes de entender um amor assim tão grande. Quando você não tem futuro, nem dinheiro, quando todos te olham de lado e comentam as suas roupas é num estádio de futebol que você vai encontrar respeito, camaradagem e direito a ser igual a milhões de torcedores. Lá você pertence a uma família, uma ordem, um exercito. Somente lá no meio da geral se é capaz de entender o nosso amor pelo Coringão. O Corinthians nos acolhe, a gaviões é nossa família e o Parque São Jorge é a nossa pátria. Ninguém tem o direito de ameaçar ou por em risco nossa unica fonte de alegria. Pra defender aquilo que amamos toda violência se justifica.
Há duas quadras do hotel uma blitz. Talvez o destino pusesse tudo a perder. Torceu para que os guardas o ignorassem, mas ao que parece pobre e polícia sofrem de uma dessas estranhas forças de atração mútua que ninguém é capaz de explicar. Seguiu as orientações do policial. Reduziu, parou, desligou a moto e tirou o capacete.
- Boa noite. Documentos, por favor.
- Sim senhor. Aqui estão.
O guarda olhou os papéis, olhou o motoqueiro, olhou de novo os papéis. Apesar da noite fresca o motoqueiro suava.
- O senhor desça da moto e me...
A frase pendeu no ar. Interrompida pelo alvoroço que um bêbado causava ao resistir à prisão do outro lado da Batida.
- Merda! Pega tua carteira e cai fora - foi a sentença do policial militar enquanto virava-se para ir em auxílio dos colegas.
Agarrou os documentos e partiu agradecendo a ajuda do santo guerreiro.
Deixou a moto na frente do hotel. Ainda tinha um tempo para escolher o local apropriado. Quando a coletiva de imprensa terminasse ele estaria a espera do presidente do clube. Se matar a cabeça o resto do corpo morre sozinho. Aquele homem era um traidor. Ninguém nunca ouviu falar dele antes que se filiasse para concorrer o mais breve possível a presidência do clube. Com o tanto de dinheiro que tinha por trás dele todas as perguntas se calaram. Até mesmo aquela questão sobre na verdade ele ser são Paulino de coração. Depois vieram mandos e desmando, contratações absurdas, empréstimos, venda de jovens talentos e mesmo assim dívidas e mais dívidas acumulavam-se. O pior de tudo era a campanha humilhante no paulistão e no campeonato brasileiro. Os mais pessimistas já falavam em um novo rebaixamento. Era hora de agir. Ele seria a pessoa. O devoto fiel.
Caminhou pela calçada esperando o fim da coletiva. Mão no bolso, empunhando o revólver. Na saída forçaria caminho entre os fotógrafos e efetuaria os disparos. Isso seria o bastante para iniciar o processo de mudança que o Timão tanto precisava.
De repente um alvoroço na porta do hotel. Um importado prateado estacionou a espera do presidente. Os flashes espocavam por todos os lados. Tentou se aproximar. Uma barreira de repórteres o impediu. O monstro estava vindo. Forçou mais um pouco. Conseguiu um lugar na multidão. Imediatamente foi esmagado. O braço pressionado não conseguia tirar a arma do bolso. Fez força pra frente. Tomou uma cotovelada de uma mulher. O presidente do Corinthians embarcou e foi-se embora. Ali, atras dos jornalistas, com a arma na mão e os olhos cheios de lágrimas ele deu meia volta e foi pra casa.

 Conto escrito para o blogue "Duelo de escritores"


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3 comentários:

  1. Tchê, antes de mais nada, preciso te dizer uma coisa. Eu me identifiquei com isso: "...Quando você não tem futuro, nem dinheiro, quando todos te olham de lado e comentam as suas roupas é num estádio de futebol que você vai encontrar respeito, camaradagem e direito a ser igual a milhões de torcedores...".

    Peraí. Antes que tu ou qualquer outra pessoa que possa ler o comentário, se assuste, vou esclarecer. Não sou fanático ao ponto de fazer e pensar o que o personagem fez, mas me identifiquei com esse trecho. Não sei se tu gosta de futebol ou qual foi tua inspiração, mas parabéns, em especial por esse trecho.

    Seguindo... que massa o conto e que maluco esse cara... coisa de corintiano mesmo... hehehe

    Mas o pior de tudo é que aqui fica engraçado até, mas na vida real tem muito lunático que pensa assim mesmo. E não só com o futebol.

    Aliás, o fanatismo, em qualquer aspecto da vida, é muito ruim. Basta ver que muitas das atrocidades cometidas por seres humanos, estão ligadas a fanatismos. Sejam eles políticos, religiosos, esportivos, etc.

    Enfim, gostei do conto. Andei dando uma olhada no blog do "Duelo de escritores". Legal a ideia hein... andei até lendo as regras. Quem sabe um dia escrevo um conto e participo como "convidado". Não que esteja me convidando... peraí, é isso sim... hahaha...

    enfim, que comentário longo, cruzes...

    Abraço! o/

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  2. Gomelli essa é a idéia, que você acompanhe, tome gosto e passe a participar.
    O duelo te espera de portas abertas.
    Um abraço moço.

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  3. Cris todo fanatismo me mete medo.
    Beijos moça.

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