
Ela era bonita.
Ela era bonita e pequena. Jovem e sexy. Tinha o corpo pequeno e uma bunda perfeita. Pelo menos quando ela tinha treze anos que foi quando nos conhecemos.
Lábios carnudos e olhos verdes. Não de um verde puro e misterioso. Era um verde cheio de malícia e sensualidade. Os cabelos num tom perdido entre o castanho e o vermelho. Esse era o corpo. Mas havia também a personalidade que era alegre e divertida.
Estes eram seus atributos. Tais eram eles que, poderia tranquilamente ocupar a vaga de Eva no Éden e levar á perdição Adão, a serpente e o guardião.
Nunca namoramos, mas nossas vidas caminharam juntas por alguns momentos da nossa existência. Jantares e festas. Danças e viagens. Amigos ou até inimigos em comum. Lembro ainda da noite de inverno em São Francisco do Sul. O carro estacionado na prainha. O vento forte vinha do sudeste. O frio era afastado a base de generosas doses de conhaque. Ela tinha feito sexo dentro do carro. E o cara não tinha sido legal com ela. E encostada no carro eu abracei o seu corpo e enxuguei-lhe o pranto. Ouvi suas lamentações. E lembrei-lhe das coisas boas da vida. Dividi o calor de meu corpo. E cuidei dela naquela noite.
Anos passaram e de novo eu estava lá. Encontramo-nos. Ela estava mais cheia de corpo e de rosto. Trazia agora um filho. Mas guardava ainda uma beleza maliciosa.
Eu também havia mudado. Mais a mente que o corpo.
Houve beijos, abraços, carinho e amizade. Encontros fortuitos. Orquestrados pelo destino. Não havia pressa nem afobação. As coisas seguiam seu caminho de forma tranqüila, porém constante.
Mas a vida ta aí pra bater na nossa cara e chutar nosso corpo quando estamos caídos e indefesos. E ela faz questão de usar armas cruéis e inesperadas.
Ela foi essa arma. Palavras proferidas com a melhor intenção de ferir e fazer sofrer. Lâminas afiadas sobre um coração oprimido. Que prazer e volúpia a dominou nesse momento? Não sei dizer. Tudo que sei é que a dor transbordada alimentou-me o desejo de vingança. Atônito não compreendi o porquê dos golpes. Onde estava o mal que eu teria feito a ela pra merecer semelhante pagamento? Esse mal eu nunca achei. Mas o desejo de ir a forra continuou comigo.
Vingança. Pensamento que fermenta. Tal como a cerveja de um porre. Aquilo fica fermentando lá dentro e vai te intoxicando. Cada vez mais. Imaginei-me cara a cara com ela. Eu cuspia no seu rosto. Olhava nos olhos e perguntava por que tudo aquilo. Pensei isso e muitas outras coisas mais. Mas essas coisas não aconteceram. Não precisei fazer nada. A vida cuidou de tudo pra mim. Minha revanche veio numa manhã de inverno. Na rodoviária da cidade, eu andava de um lado para outro enquanto meu ônibus não chegava, avistei-a. Não nos falamos. Nem nos cumprimentamos. Mas ela me reconheceu. Eu vi o seu corpo mudado. Já não trazia a formosura de antes. As carnes mostravam-se flácidas. O ventre era proeminente e a harmonia das curvas estava perdida pra sempre. Os cabelos mal tratados e sem brilho. O rosto abatido e envelhecido prematuramente. Na barra da calça um mulatinho e no colo uma criança. Ao seu lado o marido/macho/amante ou, seja lá, o que quer que aquilo fosse. Baixo, gordo e com um jeito bronco de andar.
Perante aquela cena fui tomado pela certeza de que nada que eu pudesse fazer seria tão destrutivo quanto o que ela havia feito a si mesma.
Segui meu caminho com um sorriso nos lábios e a paz no coração. E principalmente uma fé inabalável na vida e na certeza de que tudo dá certo no final.