quinta-feira, junho 30, 2011

Pacto de morte

Romildo amava Juliana. Ela era a luz da sua vida, a beleza de seus dias e a razão do seu viver. Juntos sonhavam casar, comprar uma casinha no suburbio, criar dois ou três bacuris e fazer uma coleção de carnês da casas bahia. Mas o destino dá com uma mão e tira com a outra. Se ele tinha amor infinito pra oferecer em compensação não tinha nem pra cair morto. Como o romantismo é coisa que só é permitida aos solteiros e aos jovens o zeloso pai da moça já condenara aquele relacionamento antes que o mesmo começasse a ficar sério. Não criara filha pra mulher de favelado.

Pensaram até em fugir, mas o dinheiro que tinham dava apenas para pegar um busão até o centro da cidade. E depois o que iriam fazer da vida? Voltar para casa seria humilhação demais. Tanto que chegaram a conclusão que a fuga não era mesmo uma saída aceitável. Com a paixão a ferver-lhes o sangue e um futuro que nada prometia a não ser a angustia de uma eternidade separados, decidiram apelar para a atitude derradeira. Se o mundo não lhes permitia viver o seu grande amor eles iriam buscar auxilio na própria eternidade. Um ato de amor supremo e extremo. Abandonar a vida para viver um grande amor. Mesmo sabendo que os suicidas são condenados a danação eterna eles sabiam que não importava onde estivessem seriam felizes desde de que estivessem juntos. Cada um em sua casa, cada um a sua maneira, mas ambos ao mesmo tempo. Iriam abandonar a terra para viverem seu amor no além.

Romildo fez questão de comprar metros de uma corda forte que aguentasse muitas vezes o seu peso. Aprendeu na internet vários tipos de nós. E na garagem preparou uma cadeira. Do alto da qual daria seu primeiro passo em direção ao amor.

Juliana mais tradicional e menos afeita a cenas fortes decidiu que sua saída seria da forma mais discreta possível, afinal não pretendia criar problemas além do mínimo necessário. Comprou no camelô algumas caixas de calmantes controlados. Sairia como a dama que era. Deitaria para um descanso e nunca mais retornaria a esse mudo de dor e engano.
Às oito horas da noite o casal de apaixonados executaram a ação final.
...
Abriu os olhos. Era tudo branco. Sentiu dores pelo corpo todo, mas principalmente no pescoço. Tentou se mover. Sentiu dores que jamais imaginou que fosse capaz de sentir. Resolveu ficar quieto. Não podia ver muito mais que o teto. Com certeza estava numa das casas de cura do mundo espiritual. Como suícida era óbvio que sua alma precisava de ajuda. Já tinha lido sobre lugares assim em alguns livros de espiritismo. Resolveu ficar tranquillo e esperar até que alguém viesse e esclarecesse suas dúvidas. Mal podia esperar para rever Juliana. Com certeza ela estaria ali por perto esperando por ele.
Entrou alguém na sala.
- Hum… vejo que já estamos de volta. Como se sente?
- Dói um pouco quando me mexo. Doutor que lugar é esse?
- Entendo. Foi muita sorte sua. Quando os bombeiros chegaram eles não imaginavam que iam encontrar alguém vivo embaixo daquele amontoado de madeira.
- Vivo…
- Sim rapaz. Você deu muita sorte. Apesar daquilo que você tentou. Parece que a corda era muito mais forte do que a viga em que você a amarrou. Quando você soltou o peso do corpo o teto veio abaixo te soterrando. Os bombeiros te trouxeram aqui pro Hospital de Caridade e por incrivel que pareça você só sofreu escoriações generalizadas e uma perna quebrada. Rapaz de sorte.
O médico continuou falando enquanto a cabeça de Romildo girava violentamente. Sobrevivera a seu pacto de amor. Agora estava sozinho no mundo como jamais estivera. Juliana se matara e ele não estaria ao lado dela. Como iria viver agora com essa culpa. Sem amor e carregando nas costas o peso da morte da amada. Sentiu-se o mais miserável dos homens naquele momento. E de seus lábios escapou fraca e tremula uma única palavra.
- Juliana.
- Ah! Sim. Ela está ai desde o momento em que você chegou. Não saiu daqui todos esses dias. É sua namorada certo? Vou falar pra ela vir aqui quando eu sair.
Juliana entrou tímida no quarto. Parou em pé ao lado da cama de Romildo. Ela estava bem. Linda como um anjo. Romildo olhou-a nos olhos. Juliana olhou pro chão.

Conto escrito para o blogue "Duelo de escritores"


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4 comentários:

  1. Gostei! Da ideia, criatividade, descrição... O final me surpreendeu!

    Eu estava sentindo falta de um conto seu por aqui. Valeu, moço!

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  2. Gosto do blogue pelos poeminhas de sexta-feira.
    Um abraço moças.

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  3. Opa... grande texto... hehe...

    A parte do desabamento me surpreendeu...hehe...

    mas fiquei curioso... será que eles conseguiram ficar juntos depois? hehe

    abraço, Luciano!

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  4. Gomelli vale a pena destacar que a parte do desabamento é inspirado num caso que aconteceu em Joinville. E quanto ao futuro do casal eu realmente não tenho a mínima idéia.
    Um abraço.

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