quarta-feira, maio 12, 2010

Desejo secreto


Joana sempre gostou de crianças. Mesmo com dois irmãos, desejava ter mais. Na rua onde morava, todos os vizinhos tinham crianças em seu lar. Apesar de havê-las na sua idade, Joana brincava mais com as menorzinhas. Para as mamães vizinhas, a garota era uma excelente distração para os seus rebentos. Estudava com dedicação, lia vorazmente livros, jornais e revistas, freqüentava as aulas de balé, cursava inglês e espanhol, e no tempo livre, adivinhe o que ela fazia? Sim, brincava com os pequeninos. Muita gente achava que ela ia ser professora, casar cedo e ter muitos filhos. O destino mostrou que não foi bem assim.

Quando terminou o ensino médio, Joana conseguiu ser aprovada na melhor universidade do seu estado. Foi morar na capital para cursar Administração. Viveu em uma república com cinco garotas. Conseguiu o primeiro emprego em uma loja de artigos esportivos. Teve o seu primeiro namorado, Sérgio, estudante de Direito na mesma universidade. No último ano da faculdade, Joana conseguiu estágio numa grande e conceituada tecelagem. Colou grau em Administração com louvor, sendo considerada a melhor aluna do curso. Como prêmio por sua dedicação aos estudos, a tecelagem a promoveu para ser uma de seus administradores. Não demorou muito para Joana se tornar uma dos principais executivos da empresa. Seus pais, irmãos, parentes, amigos e moradores de sua cidade natal tinham muito orgulho de sua menina. Afinal, foi graças a ela que a cidade ganhou uma filial da tecelagem, gerando oportunidades de emprego.

Após cinco anos de empresa e nove de namoro, Joana casou com o seu primeiro namorado. Sérgio havia concluído a faculdade um ano antes de Joana e iniciado a carreira num escritório de advocacia. Após aprovação em concurso público, assumiu o cargo de promotor. Ambos desejavam filhos. Não tinham pressa. A carreira de ambos ia muito bem e cada um guardava suas economias. Joana tinha um sonho secreto. Somente Sérgio sabia.

Com o passar dos anos, o filho não vinha. Era para vir, mas Joana sofreu dois abortos espontâneos. Depois a mulher recebeu o diagnóstico de câncer no seio esquerdo. Foi muito sofrimento para o casal. Forte e otimista, Joana encarou todos os procedimentos médicos recomendados até ouvir a feliz notícia de que estava curada. Não havia mais sinal do câncer. Apenas precisava ter acompanhamento médico.

Após esses sofrimentos, a relação de Joana e de Sérgio já não era mais a mesma. Sérgio queria muito um filho. Joana também. Ela não podia mais gerar um bebê. O câncer matou a chance de uma gravidez. A mulher enxergava outra saída para tê-lo. Era a hora de realizar o seu sonho. Não conseguiu gerar filhos dentro do seu ventre. Mas... Eis o seu desejo secreto: adotar uma criança.

Apesar de apoiar o sonho da esposa, Sérgio não queria adotar uma criança sem ter um filho seu. Imaginava ver alguma característica física ou jeito de ser seu ou da esposa na criança. A separação foi a conseqüência. Com respeito e harmonia, cada um seguiu seu caminho. Joana não perdeu tempo para colocar seu desejo em prática. Mais que um sonho, era uma meta a ser atingida.

Desde o tratamento contra o câncer, ela havia deixado de ser executiva da tecelagem a fim de diminuir o ritmo intenso do trabalho. Recebeu o cargo de administradora da área de recursos humanos. Sérgio e Joana venderam as propriedades que possuíam. Com os lucros das vendas e das economias guardadas, Joana comprou um pequeno apartamento de dois quartos na capital e começou a construir uma imensa casa em sua cidade natal. Quando a casa ficou pronta, ela já possuía a meta realizada: Gustavo, de 4 anos de idade, filho de pais mortos na guerra do tráfico de drogas, fazia parte de sua vida.

Com Gustavo, ela voltou a morar em sua terra natal na grande casa que construiu. Como havia uma filial da tecelagem, Joana pediu transferência. Em apenas três anos, ela aumentou o número de filhos do seu coração, como prefere dizer em vez de “filhos adotivos”. Nenhum deles era bebê quando apareceu Joana. Não são loiros e nem possuem pele branca. Joana quis fugir do comum. Acolher crianças que dificilmente seriam adotadas. Com cinco sob a sua responsabilidade, Joana quer vencer mais um desafio: adotar uma criança com alguma deficiência. Já está se preparando. E também para se unir ao novo amor de sua vida: Carlos.

Muitos perguntaram o motivo de Joana não ter revelado o seu desejo quando criança. Ela respondeu: “Não era o momento certo para contar. Não queria ficar falando isso por aí. Precisava crescer e amadurecer a ideia. Se contasse antes, muitos iriam dizer que era um sonho maluco, difícil de ser realizado, fazendo com que eu desistisse”. A sua família, parentes, amigos e moradores de sua cidade sentiam ainda mais orgulhosos de Joana, uma esguia e bela mulher negra de cabelos encarolados e profundos olhos verdes.

OBS.: A ilustração é de minha cunhada Nina.

Lu Vieira

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17 comentários:

  1. Gostei muito do texto, tocou-me particularmente...
    :o)))***

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  2. Bom dia Lu e Luciano,

    texto bem bonito e tocante gostei.
    Superação, otimismo, e busca da felicidade em quarquer situação são característica que muito me impressionam.

    Kandandu!

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  3. Adoro quando o ser humano se supera e segue as directrizes do coração! É lindo, é belo saber que há uma mãe que nunca o foi, preencher o seu lugar me filhos que por ironia do dstino, perdeam suas mães! haja sabedoria!
    Aquele abraço á Lu e Luciano..da laura

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  4. Lu só faltou escrever: Baseado em fatos reais.
    Se não foi digo que me enganaste muito bem.
    Um abraço moça.

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  5. Pearl, fico contente que tenha gostado do texto. Beijos!

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  6. Assim como você, Rosita, eu também fico impressionada quando leio ou ouço sobre histórias de pessoas que superam os seus problemas com otimismo e busca da felicidade. São histórias que me inspiram a viver melhor e a escrever. Kandandu para você também!

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  7. Laura, eu me emociono quando conheço pessoas que adotaram crianças. E este texto é inspirado nessas pessoas e uma homenagem para elas. Até hoje não conheci uma pessoa que tenha se arrependido por ter adotado uma criança. Um abraço para você também!

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  8. Alves, não é baseado em fatos reais, mas inspirado e uma homenagem às pessoas que adotaram crianças. A história de Joana é ficcional. Então, eu te enganei, rsrs. Um abraço para você também!

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  9. Grande Lu Vieira... eu li teu novo texto logo quando colocou aqui...pelo menos penso que foi isso, porque não tinha comentários ainda.

    Enfim, gostei, a história é realmente belíssima e capaz de nos fazer refletir sobre algumas coisas, mas eu fiquei meio confuso, assim como o L.S. Alves, se era uma história real ou um conto... acabei não comentando por isso...

    agora, sabendo do que se trata, fiquei ainda mais admirado pela forma como tu conta a história. Na verdade, acabou me enganando também, porque eu estava inclinado a pensar que era uma história real... hehe...

    enfim... belo conto...

    Abração do Mr.! =)

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  10. Então, Mr. Gomelli, também te enganei, hehe. Obrigada pelos elogios! Abração para você também!

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  11. entendo o pq do ls achar q o texto era baseado em fatos reais. lu, vc percebeu q parece mto mais um texto jornalístico q um conto? ñ sei se foi intencional, mas o fato é q ele poderia estar em qq jornal ou revista q passaria como real. ñ q seja algo ruim convencer as pessoas, mas no seu caso específico, foi a forma e ñ o conteúdo q + engana o leitor.

    1 abraço

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  12. Sim, JLM, foi intencional deixar o texto mais próximo do jornalismo. No entanto, não pode ficar em qualquer jornal ou revista, porque é necessário que o nome da Joana esteja completo, dito o nome do lugar que ela viveu e vive, etc. Enfim, é preciso provar que ela existe. O que eu quis fazer aqui foi misturar os ingredientes do jornalismo e do romance, ou seja, a realidade e a ficção. A realidade é o pouco de mim e a miscelânia das histórias reais das pessoas que adotaram crianças. A forma de escrever, o mais próximo do jornalismo, também dá a entender que retrata o real. Então, eu quis confundir o leitor, colocando uma semente da dúvida: afinal, Joana é pessoa real ou ficcional? Mesmo com a dúvida, desejei fazer com que a história, mesmo sendo ficcional, traga uma boa reflexão. Um abraço!

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  13. eu entendi o seu objetivo, lu. só q vc sabe q este estilo jornalístico, se fosse usado em um conto mais longo ou romance, acabaria ficando monótono, ñ é?

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  14. Lu,

    maravilha este texto. De início, lembrou muito a minha filha primogênita. Uma descrição e características bem parecidas no comportamento. Aos 17 anos já era formada em ballet clássico, inglês, espanhol e com outros cursos semelhantes ( piano e demais danças). Namora há mais de 7 anos e pretende casar-se daqui uns 2 anos. Sempre adorou crianças. É mesmo a segunda mãe da irmã. Hoje advoga com o pai e faz a sua pós graduação aos 23 anos.

    Mas sobre o texto, afinal, rsrs li recentemente uma história verídica aqui mesmo no Rio de Janeiro bem semelhante. Há pessoas determinadas e perseverantes no bem. Isto é orgulho para todos nós e um exemplo também. Belíssimo texto.

    Beijos, com carinho.

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  15. JLM, o estilo jornalístico usado em conto mais longo nem seria publicado em jornais ou revistas. Se o autor for muito bom em escrever e conseguir prender a atenção do leitor até o fim da longa história, ele pode publicar na forma de livro-reportagem ou romance-reportagem. Para servir de exemplos, destaco "Abusado", de Caco Barcellos, "Aracelli, meu amor", de José Louzeiro, e "A sangue frio", de Truman Capote. Um abraço!

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  16. Sam, obrigada pelos seus elogios. Amei saber sobre a sua filha! Incrível que ela se parece com a descrição da Joana que fiz no início do texto. Você deve ter muito orgulho dela e tenho certeza de que ela ainda vai te deixar mais orgulhosa com o passar dos anos. Claro, pelo que ela é e o que faz se deve à você e seu marido. Parabéns! Também mando beijos com carinho para você.

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  17. estes livros são bons exemplos dq eu quis dizer: monótonos. mas tem gente q gosta de monotonia, então, vai do gosto pessoal de cada leitor.

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