domingo, setembro 26, 2010

Vida perfeita é a dos outros

Quando chegou a sua toca pode cair exausto no chão e recuperar o folego que tinha deixado no meio do caminho. Pôs-se a sonhar em como seria perfeita a sua vida se tivesse nascido cachorro. Não temeria ninguém. Correria atrás de gatos e ratos, poderia facilmente virar as latas de lixo e refastelar-se com toda aquela comida fácil. Lá fora o cachorro abandonara a entrada da toca e passava a fuçar tranquilo os despojos da lixeira. Havia comida ali. Com sorte seria o suficiente para sobreviver por mais três ou quatro dias. Antes de abocanhar um suculento osso uma paulada atingiu-lhe o flanco. Ganindo e correndo fugiu dali antes que lhe acertassem outro golpe. De longe olhou pra trás e viu. Uma criatura bípede, fedida e andrajosa que agora tomava posse da refeição que até pouco tempo lhe pertencia. Pensou em seus dentes velhos e apodrecidos que há alguns anos poderiam estraçalhar a garganta daquele invasor, mas a idade chegara e agora era apenas um vira-latas, velho, magrela, desdentado e inofensivo. Um quirodáctilo opositor era tudo o que ele precisava para que sua vida entrasse nos eixos e não dependesse mais da sorte ou caridade alheia. Polegares. Esse era o caminho pra felicidade. De todas as dádivas humanas essa era única digna de inveja. Polegares. Com eles poderia manipular as coisas e até mesmo usar um pedaço de pau pra afastar os oponentes.
Largou a vara e começou a vasculhar o lixo em busca de algo que ainda pudesse comer. O estômago doía e já não era capaz de lembrar quando tivera sua última refeição decente. Como chegara àquela situação nem mesmo ele era capaz de refazer o trajeto. Um dia teve família, filhos, emprego e um lar. Mas o destino sabe estrepar qualquer um é só uma questão de querer. E às vezes ele quer. Começou a comer ali mesmo. Enchendo a boca e mastigando com avidez.
- Sai daí vagabundo! Antes que eu chame a polícia.
O garçom veio correndo e ameaçando o mendigo expulsou-o das redondezas do restaurante. Aquele tipo de gente só servia para atrapalhar os negócios. Afinal quem gasta R$ 300,00 em uma refeição não está pagando pra ver pobres rondando sua mesa. Voltou pro estabelecimento. O horário de pico se aproximava quando ele viu um grupo de seguranças acompanhando um conhecido personagem político para o seu tradicional almoço de sexta-feira. Numa área exclusiva, em busca de privacidade ele torrava o dinheiro dos contribuintes. Com um sorriso profissional atendeu àquele porco gordo e corrupto apesar de todo o desprezo que sentia por aquela pessoa. Como garçom cumpria jornada diária de dez horas de trabalho seis dias por semana e mesmo que trabalhasse a vida inteira jamais chegaria perto de juntar o que aquele safado conseguia ganhar em um ano de vida. Gostaria de urinar sobre a comida antes servi-la, mas o juízo ainda não tinha ido embora. Esperava que a CPI fosse levada a sério e que a cabeça do safado rolasse em praça pública. Conformou-se em invejar o dinheiro dele e esperar que a gorjeta fosse gorda e generosa.
Mas de alguma forma a informação vazara e agora o restaurante estava cercado por repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e curiosos. O rosto transformado numa máscara inexpressiva e cercado por toda sua segurança o parlamentar abandonou o restaurante em meio ao tumulto e empurra-empurra gerado pela imprensa. Depois, dentro do carro e já a caminho de casa tudo o que o político desejava era se esconder do mundo e nunca mais ser encontrado. Queria ser um ratinho pra poder entrar em sua toca e sumir.


Conto escrito para o blogue "Duelo de escritores"

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2 comentários:

  1. Um texto excelente. Adorei amigo! Obrigada pela partilha.


    Beijos e ótima semana.

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  2. olha, Luciano... tenho de ser sincero... não gostei do conto.

    Na verdade, minha avaliação é baseada na comparação com os demais contos teus que eu li e que eram ótimos...mas esse, não sei, talvez não tenha entendido direito, só sei que não gostei... hehe

    espero que não se ofenda comigo... ninguém mandou manter um padrão tão alto... deixou o leitor aqui mal acostumado... hehe

    enfim... é só minha opinião... hehe

    abraço ae!

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