Chegara ao local do crime antes que os repórteres transformassem tudo em circo. Pretendia ir embora antes que o transformassem no palhaço do dia. Correu os olhos pelo local. Casa grande, início do século XX, um sobrado charmoso cercado por um belo jardim. Muros, seguranças, câmeras e cercas elétricas afastavam os invasores, mas nada disso foi suficiente para garantir a vida do proprietário. Fez perguntas, bateu fotos e por último examinou o cadáver. Um tiro à queima-roupa pelas costas. Não houve luta e a morte veio rápida. O corpo caiu pra frente e ficou apoiado sobre a escrivaninha. Nas mãos do morto uma caneta. E sobre uma folha de papel com uma caligrafia vacilante quatro algarismos idênticos. Um, um, um e um. Aquilo chamou-lhe a atenção. Talvez tivesse alguma ligação com o assassino. Terminou de colher informações e voltou pra delegacia após liberar o presunto pro rabecão.
Nos dias seguintes continuou investigando. Havia indícios de violação numa janela, mas nada fora roubado. O número ou números continuavam rodando em sua cabeça. Foi atrás do dinheiro, seguiu seu fluxo e descobriu que a pessoa beneficiada com aquela morte seria a viúva. O homicídio estava ficando cada vez mais claro. O que não ajudava em nada a pesquisa sobre o pequeno enigma deixado pelo morto. Depois de tornar a herdeira suspeita seu próximo passo foi destruir-lhe o álibi. Enquanto isso no seu tempo vago rodava a internet em busca de pistas sobre o 1111. Os primeiros resultados sempre apontavam para citações bíblicas. João, Mateus, Neemias, Lucas… Havia uma infinidade delas, mas nenhuma que apresentasse algum sentido especial. Encontrou referências a sinergia e também uma poesia de um obscuro escritor que fazia alusão ao 1+1=11. Mesmo assim continuava no escuro. Cogitou a hipótese de que o número fosse uma pista dando a hora do crime 11:11, mas o legista descartou essa ideia fixando a hora da morte entre 17:00 e 19:00.
Os casos paralelos tinham rendimentos inversamente proporcionais. Conforme o assassinato progredia para uma incontestável condenação da viúva o enigma 1111 recuava cada vez mais. Numa última tentativa foi à faculdade. Há muito tempo livrará a cara de um professor de matemática num problema de assédio sexual. Agora era hora de cobrar o favor. Entregou a tarefa e fez questão de frisar a importância do projeto e as consequências de um vazamento daquelas informações.
Passou um tempo e oficialmente a esposa da vítima foi condenada pelo crime. Sua participação no caso estava encerrada, mesmo assim continuava intrigado e pesquisando. Alguma coisa importante se escondia atrás daqueles algarismos, mas o que? Converteu os algarismos indo-arábicos para romanos. MCXI. Gostaria de largar tudo isso e seguir em frente só que os números perseguiam-no desde o despertar até o adormecer e além. Nos sonhos o morto o perseguia e cobrava a solução do seu enigma. Ele era sua esfinge e 1111 a sua charada. Pelo andar da carruagem seria devorado em breve e com direito a sobremesa.
Um mês depois de entregar a tarefa para o matemático fora chamado por ele para uma reunião no seu escritório da faculdade. Antes da hora marcada compareceu ao encontro cheio de empolgação e esperança.
- Antes que você se anime muito vou logo dizendo que as minhas pesquisas foram inconclusivas.
- Como assim? Tu é matemático! Teu negócio são números como é que você não descobriu nada?
- O fato de a matemática ser uma ciência exata não quer dizer que ela tem resposta pra tudo.
- Mas e aí? Pelo menos alguma pista?
- Se isso for um código binário essa sequência quer dizer 15 em decimal ou F em hexadecimal. Se o 1111 estiver em hexadecimal isso pode ser 4369 em decimal ou 1000100010001 em binário. Mas se for mil cento e onze isso pode ser 457 em hexadecimal ou 10001010111 em binário. Isso também pode ser o resultado da multiplicação entre dois números primos, 11 e 101. Isso também é um palíndromo. Existem uns místicos picaretas que acreditam que o 11:11 abre um portal pra uma nova era ou dimensão e esse blá, blá, blá todo. Só pra você ter noção de como anda a coisa o Uri Geller tá metido nisso. No fundo de toda essa bagunça eu não tenho nada de concreto pra você. Deixei nesses papéis as minhas anotações para o caso de você querer se aprofundar em alguma das opções.
A face de desânimo era triste e comovente. Pegou os papéis, agradeceu, levantou-se e foi em direção a porta já curvado pela derrota.
- Burro. É a milhar do burro na cabeça. Tá pagando 4000 por um.
Ninguém tinha notado o faxineiro na sala enquanto conversavam. Mas dos três apenas o "severino"tinha certeza de alguma coisa.
Conto escrito para o blogue "Duelo de escritores"
nossa.. muito bom o texto! a descrição prende mesmo! parabéns..
ResponderExcluirJéssica obrigado. Espero vê-la mais vezes por aqui.
ResponderExcluirUm abraço moça.
Interessante... muito interessante... agarra o leitor, sem sombra de dúvida!
ResponderExcluir;o)))***
Pearl quando eu leio que consegui prender a atenção de alguém como você é nessas horas que tenho certeza que ganhei o dia.
ResponderExcluirUm abraço e um feliz 2011.
E a gente lê, passa correndo aprendendo o enredo...
ResponderExcluirPuxa meu, como se diz; que bacano.
Um beijinho e felizes dias para o ano que está chegando.
Laura
Na comparação eu votei na Manu Magalhães, lá no Duelo de Escritores. Mas, faço questão de comentar aqui que gostei muito do seu texto. Aliás, dei uma corrida de olhos no teu blog agora e já favoritei.
ResponderExcluirBueníssimo!
Laura é sempre bom te ver por aqui.
ResponderExcluirUm abraço moça.
Cícero realmente o texto da Manu é muito bom, mas fico contente que tenha agradado e sua presença aqui serpa sempre bem vinda.
ResponderExcluirUm abraço.